Mestre Ricardinho

Mestre Ricardinho

A Capoeira é um símbolo de resistência negra e a todo momento ela reforça a herança africana na nossa cultura e sociedade.

“Uma vida não basta ser vivida.

Ela precisa ser sonhada (Mário Quintana)”

Mestre Ricardinho

Niteroiense, Mestre Ricardinho, Ricardo Pereira dos Santos, nascido em 1968, é um homem negro, oriundo da escola pública, Mestre de Capoeira e atuou durante alguns anos na área da administração, especificamente no campo da logística. Atualmente trabalha somente com a Capoeira, de onde tira o seu sustento e o da família. Atuante na área da educação, segue promovendo a resistência através da capoeira.

“Eu acredito que a capoeira tenha me encontrado. No início dos anos 1980, eu fui comprar algumas coisas para a minha mãe, na venda do bairro. Passei em frente à sede do Cruzeiro, no Badu, e então, eu escutei o som do berimbau pela primeira vez. Ali eu me encantei com aquele som e entrei para ver. Achei aquilo magnífico, uma coisa que mexeu muito com a minha ancestralidade. Me arrepiei todo quando ouvi o toque do berimbau e vi aquela magia do jogo, o sorriso no rosto das pessoas brincando capoeira naquele treino.

foto: Maria Buzanovsky

E daí então, eu passei a procurar viver essa trajetória. Nesse dia, eu cheguei em casa e falei com a minha mãe, que tinha visto algo muito bonito que queria praticar, e era a Capoeira. Ela imediatamente disse que não, que eu não deveria participar, dizendo que capoeira não era coisa de gente de bem, era de subversivo e de marginal. E, foi então que meu pai chegou e me viu triste. Perguntou para ela o porquê. Ele teve a compreensão de sugerir que eu entrasse na capoeira enquanto ele e ela acompanhariam a minha participação. E assim foi feito.”

O Começo

Iniciou na capoeira em 1984, na comunidade onde morava, no bairro do Badu. Após contato com o Mestre Formiga, seu Mestre, durante uma aula na comunidade. Faz parte da Associação Grupo de Capoeira Ilê de Angola (fundada em 1996), localizada na comunidade da Igrejinha, Largo da Batalha, que tem como objetivo fomentar a cultura do povo e para o povo – a Capoeira. Em 1986 começou a participar dos treinos na Associação Modelo Cultural Kikongo, integrando e realizando projetos culturais, fomentando a cultura de matriz africana e afro-brasileira. Em 1992, teve sua primeira formação, professor. Foi professor de capoeira no SESC de Niterói. Em 1996, passou por uma banca e tornou-se contramestre.

“A cultura é um direito e nós fazemos valer esse direito em prol das pessoas que mais precisam. A capoeira tem o poder de resgatar crianças e adolescentes.”

Mestre Ricardinho

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fotos: Maria Buzanovsky

Capoeira, um símbolo de resistência negra

Nesse período iniciou os trabalhos no Morro da Igrejinha e no Morro do Palácio. Atualmente, também atua no IEPIC – Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho. Com crianças em atividades lúdicas e recreativas. Realiza atividades com crianças, jovens e adultos nos demais locais onde atua. Promove aulas de música, história e difusão da cultura da capoeira e da identidade do povo brasileiro. Participou dos projetos: Escolas de Paz (Unesco e Governo do Estado do RJ) – CIEP Tarso de Castro (Ipiíba – São Gonçalo); CIEP Zuzu Angel (Arsenal, São Gonçalo) – Aulas de capoeira angola, crianças, adolescentes e jovens; Férias Nota Dez! – Prefeitura Municipal de Niterói – UMEI Gabriela Mistral (Pendotiba – Niterói).

foto: Maria Buzanovsky

“O reconhecimento veio ao longo da trajetória e do processo de formação na capoeira. Na minha escola não há uma data específica. São quarenta anos de luta em defesa da Capoeira e da cultura. “Vivemos em um país onde o racismo é estrutural. Ele está nas pessoas e as pessoas não percebem. A capoeira luta contra todo o tipo de opressão. Eu digo sempre que não basta não ser racista. Tem que ser antirracista. Temos que nos preparar a todo momento, dando às pessoas condições para o despertar da consciência de quem elas são na sociedade e qual é o papel que elas devem exercer nessa sociedade racista e cruel.

Já sofri racismo muitas vezes. Certa vez andando pela rua, cruzei o meu caminho com um homem, que vinha andando na minha direção com uma pasta. Quando ele se aproximou de mim, ele protegeu a pasta. Muitos episódios no banco, nas portas do banco. É triste ver o racismo acontecendo em um país com tantas etnias, nos dias de hoje.

O racismo também ocorre nas questões sociais. A capoeira tem muitas questões de perseguição por conta do racismo. A capoeira é o primeiro movimento de liberdade do nosso país, ela permitiu que as rodas de candomblé, o jongo, o tambor de criola e as rodas de samba acontecessem.

A Capoeira é um símbolo de resistência negra e a todo momento ela reforça a herança africana na nossa cultura e sociedade. Ela fortalece os costumes deixados pelos antigos, nossa ancestralidade. Nossa culinária, os toques do berimbau, a maneira de viver em coletividade. É a manutenção dos nossos conhecimentos ancestrais. A capoeira é instrumento de luta contra a opressão.

Fazemos questão de ensinar como as pessoas podem lutar contra as opressões no dia a dia, principalmente dentro das comunidades. A capoeira precisa acontecer dentro das escolas. Temos leis que garantem esse direito e precisamos de ações que ratifiquem essa condição.”

40 anos de militância
e de história
na capoeira

“A Capoeira na minha vida é tudo. A Capoeira me ensinou como o coletivo é importante para o indivíduo. Eu devo tudo à Capoeira. Ela me fez cidadão, me ensinou a ser politizado, entender o próximo, ouvir, liderar, ser uma pessoa melhor. É a minha escola. Onde eu convivo com pessoas diversas, onde eu aprendi a conviver com as diferenças e a compreender o outro como ele é.”

Em 2016 foi eleito para o Conselho Estadual de Políticas Públicas Culturais,
“Aprovamos a cadeira exclusiva para a capoeira. Fundamos o Fórum Estadual da Capoeira, aberto para Mestres e Mestras da Capoeira.”

“São 40 anos de militância e de história na capoeira. Destaque para, mais ou menos 25 anos atrás, eu estava muito desanimado com a capoeira. Achava que não levava jeito para a capoeira. Por conta de ter mudado de um estilo para outro. Achava que não me encaixava ali. E, o meu Mestre foi uma pessoa que me incentivou e me apoiou por essa trajetória. Pegou na minha mão e me carregou até eu poder andar sozinho. Eu disse para ele que não me enquadrava nesse mundo, que estava desanimado com muitas coisas. E, aí então ele me disse: ‘Você não confia em si mesmo? Porque se você não confia, eu confio em você. Você tem tudo para ser um grande capoeirista!’. Isso foi uma coisa que me permitiu continuar no meu trabalho.

Temos muitas lutas e problemas no dia a dia, porque não é fácil militar pela cultura e pela igualdade social dentro da capoeira, trazendo a identidade para o cotidiano. Eu sei que consigo fazer isso porque eu tenho ao meu lado, meu mais velho, um griot, o meu Mestre, que é quem me dá essa orientação, que pegou na minha mão no momento mais difícil para que eu pudesse caminhar e chegar onde estou chegando.

foto: Maria Buzanovsky

Eu estou em uma fila, tem muitos Mestres mais antigos que eu, e eu construo a minha caminhada a partir do ensinamento deles e do meu Mestre que nunca me abandonou.”

Importância dos fomentos

Contemplado no período da pandemia pelos editais: Cultura Presente nas Redes I (2020) – projeto sobre a musicalidade e a história da origem da capoeira; Cultura Presente nas Redes II (2021) –  projeto sobre a caminhada de um Mestre de capoeira, um documentário de 30 minutos; Cultura e Território – Prêmio Itamar da Conceição Magalhães – Mestre Chita, para Mestras e Mestres da Capoeira.

Mestre Ricardinho ressalta que é importante que haja fomento permanente da cultura para a capoeira.

“Por ser uma cultura popular, é nossa fonte de conhecimento e precisa de cuidado e garantias para que a população mais pobre tenha acesso. Tivemos grande atuação no Fórum Municipal da Capoeira em Niterói, para tentar mudar a nossa realidade. Muitos Mestres de Capoeira vieram a óbito durante a pandemia, outros passaram necessidades por não ter como sustentar suas famílias.”

foto: Maria Buzanovsky

Transmitir a história e os ensinamentos dos nossos ancestrais

Garantir o ensino da capoeira, por meio da oralidade e vivências, para os mais novos. Transmitir a história e os ensinamentos dos nossos ancestrais, aqueles que lutaram pela nossa liberdade e nos deram essa cultura viva. Fortalecer o Estatuto da Igualdade Racial e a Lei n. 10.639/2003 – estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. São algumas das pautas do movimento em defesa da capoeira.

“Que essa Lei seja de fato implementada nas escolas. Há a demanda da capoeira para a implementação da capoeira nas escolas em Niterói, nossa missão. Devemos preservar todas as pessoas que sustentam essa cultura viva, que preservam a força dos nossos ancestrais, que se dedicam ao nosso povo. A Capoeira foi criada contra as opressões. As opressões de hoje não são mais os grilhões e o chicote. A opressão de hoje é o pensamento. E, o pensamento liberta a gente. É ele que abre os nossos olhos e o nosso horizonte. É por onde compreendemos o conhecimento que é passado pela oralidade.”

O fomento e o incentivo do Estado é de suma importância para salvaguardar a Capoeira e seus fazedores, Mestras e Mestres.

foto: Maria Buzanovsky

“O respeito às tradições e o conhecimento nos resgatam a ancestralidade, aquilo que muitos deixam de entender. A Capoeira é a arte do conhecimento. E só o conhecimento pode libertar as pessoas.”