Mestre Léo Pivete

Mestre Léo Pivete

As tradições da capoeira devem ser preservadas e mantidas. Seja a capoeira angola, a regional e a contemporânea.

Capoeira é luta de bailarinos.
É dança de gladiadores.
É duelo de camaradas. É jogo, é bailado, é disputa – simbiose perfeita de força e ritmo, poesia e agilidade.
Única em que os movimentos são comandados pela música e pelo canto. A submissão da força ao ritmo. Da violência à melodia. A sublimação dos antagonismos.

Na Capoeira, os contendores não são adversários, são “camaradas”. Não lutam, fingem lutar. Procuram – genialmente – dar a visão artística de um combate.
Acima do espírito de competição, há neles um sentido de beleza. O capoeira é um artista e um atleta, um jogador e um poeta.

(Dias Gomes)

“Viva a capoeira e todos nossos antepassados”

Mestre Pivete

Nascido e criado em Niterói, Mestre Pivete, Leonardo Soares Crespo, é de 1965. Homem branco, Mestre de Capoeira e professor de educação física. Trabalha somente com a Capoeira, na educação, de onde tira o seu sustento e o da família. Atuante na área da educação, possui ensino superior em educação física e pós-graduação em Psicomotricidade do Exercício. Com as aulas de capoeira, Mestre Pivete sustenta a sua família. Faz parte do grupo Capoeira Brasil – Núcleo Mestre Boneco, RJ. É aluno do grupo desde o tempo da Capoeira Senzala – que deu origem ao grupo na década de 80. Seu mestre é o Mestre Boneco.

“Trabalhar em busca da inclusão social, com a ferramenta mais poderosa que temos, a Capoeira. Ser grato ao Universo por poder trabalhar com o que faz bem”.

Iniciou na capoeira em 1982. Em 2007, tornou-se Mestre. Para o Mestre, o título vai além da formatura e da graduação. É um reconhecimento do grupo.

“A vivência é que faz a gente chegar a ser Mestre, em prol da capoeira e dos ensinamentos. Tive grande ajuda do Mestre Itapuã, discípulo de Mestre Bimba. Mergulhei fundo na Capoeira Regional. Participei das edições dos seus eventos – Ginga sem Limites (Siribinha BA), com grandes nomes da capoeira angola e da regional”

Desde pequeno é ligado ao esporte. A mãe era professora de um colégio estadual no centro de Niterói, acompanhava os filhos na educação. Praticou muito esporte na trajetória escolar. Surf de praia, etc. Entrou na capoeira ainda pequeno. Com o tempo, passou a auxiliar o Mestre com as aulas para as crianças mais novas. A Capoeira despertou a vontade de prosseguir os estudos na área do esporte e assim, Mestre Pivete cursou Educação Física. Por ter na sua identidade a força dos erês, devido a data de seu nascimento (27/09), se especializou em aulas para crianças, buscando formação em psicomotricidade.

foto: Maria Buzanovsky

Começou a trabalhar desde pequeno para auxiliar nas despesas. Com 15 anos começou a trabalhar com a manutenção de pranchas. Depois foi vendedor de roupas esportivas. Foi trabalhar em lojas, como vendedor em Shoppings. Sempre buscando na Capoeira e no Surf, trabalho, aprendizado e sustento.

Por frequentar várias rodas, Mestre Pivete, não tinha conhecimento acerca das cordas e diferenças dos grupos. E, aos 16 anos, com a corda crua do seu grupo, participou da roda do Mestre Batata. Identificou na roda dois senhores jogando de corda branca, pensou:

“oba, é minha graduação.

Sem querer, desafiou o Mestre:

“comprei o jogo do Mestre, tomei uma bronca, minha cara foi no chão. Mestre Batata parou a roda: ‘não se compra um jogo de um Mestre’. Eu pedi desculpas. Mestre Bogado estava na roda.”

Um episódio que provocou grande aprendizado, e hoje, boas risadas.

Um início intenso na capoeira

Participou de muitos encontros, conheceu muitos Mestres do Rio de Janeiro. Com destaque para Caravelas na Bahia, onde encontrou muitos Mestres importantes, a nata da Capoeira, Mestre Tabosa, Mestre Garrincha, Mestre Peixinho, Mestra Tiça e Mestre Sorriso. Viu jogos incríveis, de rodas com dinheiro no chão, memórias que não são apagadas.

Considera que teve um início intenso na capoeira. Começou a ministrar aulas como braço direito do Mestre Paulinho Sabiá. Depois se tornou instrutor e professor no espaço da academia do Mestre.  Atualmente trabalha em uma ONG, no Parque Rural, bairro Engenho do Mato, com aulas de capoeira, em convênio com a Prefeitura, no período da noite, terça e quinta. Atuando em conjunto com outros professores da capoeira, realizam aulas para crianças, adolescentes e adultos. Em uma quadra poliesportiva.

Trabalha na Escola Me Ninar (Creche e Escola), onde atua há mais de 20 anos. Com crianças de 3 a 12 anos, durante a semana de segunda à quinta. Atuou em academias da região também. Relata que há baixa remuneração para o profissional de capoeira, não sendo valorizado como um professor. Trabalhou por 20 anos na Aldeia Curumim e na Escola Especial Crescer, ambas em Niterói.

Mestre Pivete

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fotos: Maria Buzanovsky

Trazer para as aulas valores para a promoção da diversidade

“Na Capoeira a gente vive à mercê desse olhar, do racismo, do preconceito e da desigualdade. Os impactos da capoeira na sociedade são gigantescos. É impossível não existir racismo quando se fala da capoeira, infelizmente.

Certa vez realizei um evento em uma escola e recebi críticas da direção. O motivo: havia muitos pretos na escola, velhos gordos e fortes e eles eram os Mestres, e não os brancos doutores.”

foto: Maria Buzanovsky

Há também discriminação em relação a remuneração dos professores de capoeira, o que não é equivalente aos demais professores. Não há equidade nas relações trabalhistas.

Mestre Pivete relata que há de se tomar cuidado com as relações e buscar uma convivência pelo fim do racismo. Traz para as aulas valores para a promoção da diversidade, inclusão de pessoas com deficiência e pela não discriminação. No projeto social são muitos alunos negros, nas escolas particulares negros e negras são minoria. É evidente.

“A capoeira me fez ser uma pessoa melhor, mais tranquila, sem violência. Sem ela eu não sei se estaria aqui. Até dentro de casa há o preconceito com a nossa vida na capoeira, porque é coisa de preto. Sofri com isso do meu próprio pai. Não foi fácil colocar a capoeira na escola por conta do racismo. Encontrei minha esposa na Capoeira, então a Capoeira me deu minha família e me transformou no homem que eu sou hoje.”

foto: Maria Buzanovsky

O desenvolvimento psicomotor.

Há mais de 20 anos atua na educação. Sempre teve afinidade para trabalhar com crianças, mas via como um desafio e missão, por isso buscou conhecimento profissional na educação física para atender as crianças na educação. Buscava se orientar pelo conhecimento transmitido pelo seu Mestre. Aproximou os saberes da capoeira com as aulas de educação física na faculdade. Considera que a capoeira é a arte mais rica para o desenvolvimento psicomotor. Construiu o Projeto Pivete, que acontece na Região Oceânica, há mais de 25 anos, atualmente na quadra do Parque Rural.

“Uma forma de devolver para a Capoeira tudo aquilo que a Capoeira me deu. Trabalhar com a comunidade local para aqueles que não tem condições de pagar”.

Durante a trajetória sempre acompanhou o desempenho dos alunos e alunas.

“Ter um espaço próprio é um sonho meu. Construir um barracão para a capoeira, no Engenho do Mato. Buscando apoio da área da cultura para concretizar.”

Período no Exterior

Viveu na Flórida, EUA, por cinco anos (1989 -1994). Deu aula de capoeira em Miami. Também atuou em shows de apresentação da capoeira, alguns anos depois atuou em Nova York e Los Angeles com Mestre Boneco. Na Austrália, à convite do Mestre Peixe Ensaboado. Europa, com Mestre Azul. Morou no Havaí com a família, recentemente (2015-2017), onde morou por quase dois anos. Realizou o sonho de vivenciar o surf e a capoeira; dos filhos estudarem em uma escola local, para aprender outras línguas. Realizou apresentação na escola local, viu campeonatos esplendorosos de surf. Recebeu apoio do governo local para auxiliar no aprendizado dos filhos. Uma educadora brasileira foi contratada para auxiliar em sala de aula. Deu aula para a juventude local e conseguiu colocar a capoeira na escola.

“Eu fiz o professor do meu filho, Mr. Person, jogar capoeira comigo. Ensinei três  movimentos básicos para ele – o aú, a cocorinha e o golpe. Ensinei a gingar. Coloquei na roda, mostrando para ele como fazia a ginga, a cocorinha e a passada do golpe. E o Aú..? Ahh! A escola veio à baixo. Foi muito lindo, muito legal, momentos inesquecíveis.”

foto: Maria Buzanovsky

Do Surf à Capoeira.

O apelido, pivete, é adquirido na prática do surf,

“O surf me levou para a capoeira. O parceiro de surf, Serginho Pivete, era mais velho, as pessoas diziam que nós éramos irmãos. Com isso, ficou Léo Pivete. E pegou o apelido na capoeira.”

Era constantemente convidado por Mestre Batata para as aulas na praça. Iniciou por intermédio de um amigo que levou a turma de inglês para uma aula com o Mestre Paulinho Sabiá. Por ter uma dívida com Mestre Batata, por todos os convites, passou a treinar com Mestre Batata.

Querendo treinar mais e aprender mais, passou a frequentar as aulas de capoeira do Mestre Boca, Mestre Marquinho Angoleiro e Mestre Moreno.

“Para conhecer mais da arte e melhorar o máximo possível. A capoeira é capaz de trazer as pautas do racismo para o nosso cotidiano, com isso damos passos para a transformação da sociedade. As tradições da capoeira devem ser preservadas e mantidas. Seja a capoeira angola, a regional e a contemporânea. Nas minhas aulas eu mantenho as tradições da capoeira regional, com os instrumentos, dois pandeiros e um berimbau. Manter o que aprendemos com nossos mais velhos. Manter a capoeira de Mestre Bimba, manter as tradições da capoeira angola, conhecer a diversidade. Quando o berimbau toca é preciso saber jogar. Isso sim é a manutenção da nossa arte da capoeira.”