Mestre Kongo
A capoeira é ferramenta para uma sociedade melhor, para a juventude. O poder público precisa olhar para a capoeira com mais cuidado.
A Capoeira é tudo aquilo que a boca come, como dizia Mestre Pastinha.
A Capoeira é perseverança e persistência. Não mude de lugar, mude o lugar! A Capoeira é capaz de transformar. Perseverança, sempre.
Já salvamos muitas vidas, somos capazes de salvar muito mais.
A Capoeira precisa ter o seu lugar de reconhecimento.
Mestre Kongo
Mestre Kongo, Alessandro Ferreira dos Santos, é niteroiense, nascido em 1973, é um homem preto, formado na Capoeira, estudou em escola pública, atualmente cursa faculdade de educação física. Há 25 anos dá aula de capoeira na rede municipal de ensino. É um homem preto e por meio da capoeira tira o sustento de sua família. Faz parte do Grupo ACGCAP – Associação Cultural Geração Capoeira – criado em 2001.
“A capoeira é uma forma de me manter vivo, capoeira é saúde, é higiene mental, é aliviar a alma e o corpo. O toque do berimbau é algo muito mágico na nossa vida. Ser capoeira não é difícil, basta querer, persistir nela. Hoje eu sou Mestre de Capoeira. A capoeira me deu o retorno e presentes. Tenho minha família, minha neta com 4 anos de idade que canta capoeira, que aprendeu capoeira. A capoeira coloca cada um no seu devido lugar, no seu tempo e na sua hora.”
Iniciou na capoeira em 1985, no Clube Independente, com o professor Pesado. Não tinha como pagar as aulas, ficava olhando as aulas. E, um dia, o seu tio, Mestre Maurício, o viu e perguntou se ele gostaria de fazer as aulas. Então, o tio combinou com o Professor Pesado que o garoto estaria sob sua responsabilidade. Com o tempo, ficou sem condições de permanecer nas aulas e quase desistiu. No entanto, arrumou um trabalho na cantina da escola e com esse recurso começou a pagar as aulas de capoeira. Sua mãe tinha receio que os movimentos da capoeira causassem algum dano à sua saúde. Pouco tempo depois começou a trabalhar durante o horário das aulas, assim, precisou fazer aulas aos sábados. Por conta dessa mudança, ingressou como aluno do Mestre Canarinho.
“Meu Primeiro Mestre foi o Professor Pesado, do grupo Angonal. Depois fui aluno do Mestre Canarinho, no Grupo AEDA. Formei mestre com o Mestre Miquinho, no grupo Geração Capoeira.
A mãe Capoeira hoje toma conta de mim. Os Mestres mais antigos me dão suporte. Última colação de grau foi com Mestre Gil.”
Na educação
Graduou-se Mestre Kongo em 2011. Dá aula há 25 anos na Escola Municipal Adelino Magalhães, no Bairro Engenhoca, em Niterói.
“Tenho muito carinho e apreço pela escola. Sou reconhecido pela gestão, com autonomia para o meu trabalho. Fruto de muita parceria com a gestão da escola.”
As aulas são gratuitas às terças e quintas, com o público alvo, de 3 anos em diante, crianças, jovens e adultos. Atua no Projeto Brotaí, da Secretaria de Cultura, que dá suporte e a estrutura necessária para a compra de uniformes. Em contrapartida, as crianças, adolescentes e jovens se comprometem com a frequência escolar. O Mestre Kongo acompanha o desenvolvimento pedagógico dos alunos, olha os cadernos, as tarefas, acompanha o desenvolvimento. Durante a sua trajetória na educação também deu aula em escolas particulares. Trabalhou nos projetos sócio educativos Férias Nota Dez, nos bairros: Barreto, Engenhoca, Nova Brasília, entre outros.
Mestre Kongo
fotos: Maria Buzanovsky
O racismo e o racismo religioso
As questões raciais, de preconceito, violência e discriminação, são compreendidas por Mestre Kongo da seguinte maneira:
“O racismo está na sociedade, nosso povo sofre até hoje com o racismo. A Capoeira é uma forma de resistência ao racismo. Nós somos a resistência. É preciso olhar para essa questão de maneira muito cuidadosa e atenta para que não ocorram situações de constrangimentos. Há uma relação do racismo religioso que estigmatiza a Capoeira. Muitos alunos querem fazer capoeira, mas a família não permite, por associar à religião de matriz africana, mães e pais evangélicos não autorizam. ”
Memórias, reconhecimentos e realizações
Os destaques de suas memórias são as apresentações e as aulas e a trajetória na educação. Em especial, a apresentação em um casamento em Nova Friburgo. O grupo de capoeira foi chamado para realizar a abertura do casamento de uma brasileira com um americano. Momento mágico, que reuniu a celebração religiosa e o grupo tocando os instrumentos da capoeira, cantando, dançando e fazendo a roda acontecer.
As aulas em Cabo Frio possibilitaram que Mestre Kongo realizasse parcerias, bons momentos e boas amizades.
Recebeu da ALERJ e da comissão de educação, com a presença de deputados e dos gestores da educação do município de Niterói, o reconhecimento pelos serviços prestados para a comunidade, comemoração dos vinte anos de dedicação à capoeira na Escola Municipal Adelino Magalhães.
Mestre Kongo se sente reconfortado quando encontra com alunos na rua e eles narram as conquistas pessoais que tiveram por terem encontrado o Mestre e a capoeira em suas vidas.
“Por terem outros valores para viver em sociedade, educação e ética, não envolvimento com drogas, e reconhecimento da importância da figura de um Mestre como orientador e educador dos processos formadores da cidadania. Mestre é como um pai para muitos. Pai que muitos não tiveram, mãe que muitos perderam bem cedo.”
Apoiou dois irmãos, que ficavam no ócio das ruas, por muitos anos, para seguirem na capoeira e não se envolverem com o crime. Conseguiu que um seguisse. É formado professor de capoeira e obviamente, Mestre Kongo ainda não desistiu do outro irmão.
“É um trabalho árduo e reconfortante.”
Capoeira, ferramenta para uma sociedade melhor
Participou do Edital Cultura e Território, Prêmio Itamar Magalhães, e Ativos Culturais durante a pandemia, os editais deram suporte ao trabalho.
“A gente consegue ir em lugares que não iríamos sem capoeira. A capoeira guia as nossas vidas. Algo mágico. É ser conhecido e reconhecido pela capoeira, respeitado e valorizado pela capoeira. Resgatamos vidas. O meu sonho é colocar a capoeira dentro das escolas.
Nossos antigos lutaram muito pela valorização da nossa cultura. É preciso que o poder público nos olhe com respeito e valorização. Não só apenas no dia da Consciência Negra. A capoeira merece lugar de destaque na escola, na educação do nosso povo. Nós somos patrimônio cultural. Por que não colocar em prática? Nós merecemos esse zelo.
A capoeira é parte da História do Brasil, presente em combates e conflitos para a construção do Estado brasileiro. É a resistência o tempo todo. E é necessário reconhecimento e reparação.”
“Porque a capoeira é ferramenta para uma sociedade melhor, para a juventude. O poder público precisa olhar para a capoeira com mais cuidado, nós somos matrizes afro-brasileiras, brasileiras. Para que Mestres não passem necessidade e morram desamparados pelo Estado.”